Híbridos a etanol brasileiros superam elétricos europeus em redução de emissões, aponta estudo da FGV
nov, 20 2025
Os carros híbridos movidos a etanol no Brasil estão emitindo menos poluentes do que os veículos elétricos mais vendidos na Europa — e isso não é um erro de cálculo. É o que revela um estudo inédito do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicado em 18 de novembro de 2025. Enquanto os elétricos europeus somam entre 128 e 233 gCO₂e/km quando considerado todo o ciclo de vida das baterias, os híbridos brasileiros a etanol alcançam apenas 79 gCO₂e/km. Isso coloca o modelo nacional à frente de qualquer carro elétrico importado, mesmo os mais eficientes. E o melhor: tudo isso com tecnologia que já está nas ruas, não em laboratórios.
Brasil já lidera a redução de emissões — e ninguém está prest atenção
O relatório, intitulado "Bioenergia tropical e os dilemas da transição energética: neutralidade tecnológica e valorização global das soluções nacionais", foi coordenado por Luciano Rodrigues, pesquisador da FGV. Ele usou Análise de Ciclo de Vida (ACV) para comparar veículos novos em diferentes países. O resultado foi surpreendente: os automóveis brasileiros emitem 31% menos que os da União Europeia, 34% menos que os dos Estados Unidos e 42% menos que os da China. Isso não é um acaso. É o resultado de décadas de investimento em bioenergia, infraestrutura local e adaptação ao clima tropical.Os carros movidos a etanol hidratado — o combustível que abastece a maioria dos veículos flex no Brasil — emitem 85 gCO₂e/km. Já os híbridos, que combinam motor a combustão e elétrico, caem para 79 gCO₂e/km. Por outro lado, os elétricos da Europa, apesar de não emitirem poluentes diretos, carregam um peso ambiental escondido: a produção e descarte das baterias de íons de lítio. A mineração de minérios como cobalto e níquel, muitas vezes em regiões com fraca regulamentação ambiental, e o alto consumo de energia na fabricação das baterias (geralmente movida a carvão na China) fazem com que sua pegada de carbono seja maior do que se imagina.
Por que o Brasil consegue isso? A resposta está no solo e no sol
A diferença não está só no combustível. Está na matriz energética. O Brasil tem mais de 60% de sua energia elétrica proveniente de fontes renováveis — e a bioenergia, principalmente da cana-de-açúcar e do milho, é responsável pela maior parte disso. Enquanto a Europa ainda depende de gás natural e carvão para produzir eletricidade, o Brasil já produz energia limpa em larga escala desde os anos 1970. Isso significa que, mesmo quando um carro elétrico é carregado aqui, ele usa energia mais limpa do que em qualquer país europeu.Além disso, o etanol brasileiro vem de cultivos que não desmatam. A cana-de-açúcar ocupa apenas 1% da área agrícola nacional e é cultivada principalmente em regiões já convertidas de pastagens degradadas — um detalhe que muitos estudos internacionais ignoram. O etanol de milho, que em 2023/24 já representava 13% da produção total (cerca de 1,49 bilhão de litros), é feito com a segunda safra, sem competir com a soja ou o feijão. E a FGV ressalta: isso tudo é feito com tecnologia nacional, empregando 1,2 milhão de pessoas no campo e nas indústrias de biocombustíveis.
As barreiras que não fazem sentido
Aqui está o ponto mais crítico: enquanto o Brasil produz combustíveis mais limpos, a União Europeia impõe restrições que não se baseiam em dados, mas em preconceitos. O uso genérico do fator iLUC (mudança indireta no uso da terra) penaliza biocombustíveis tropicais, mesmo quando eles são produzidos em áreas já degradadas. É como se um carro elétrico feito com minério extraído em condições piores fosse considerado "verde", enquanto o etanol de cana, cultivado com rigor ambiental, fosse visto como suspeito."A transição energética precisa ser guiada por desempenho, não por preferências", afirmou Luciano Rodrigues em 18 de novembro de 2025. "O Brasil mostra que é possível usar soluções locais para reduzir emissões em larga escala com sustentabilidade econômica, inclusão social e inovação local."
Do etanol ao futuro: um modelo híbrido é a resposta
O estudo da FGV não pede para abandonar os carros elétricos. Pelo contrário. Ele defende uma integração inteligente: motores de combustão eficientes, movidos a etanol, combinados com tração elétrica complementar. Esse modelo híbrido — já presente em modelos como o Fiat Strada Flex e o Toyota Corolla Hybrid — permite reduzir custos, manter autonomia e usar a infraestrutura de abastecimento já existente no país. Enquanto a Europa investe bilhões em carregadores, o Brasil pode expandir sua rede de postos de etanol com menos custo e mais impacto.O governo brasileiro já está nesse caminho. O projeto Combustível do Futuro prevê aumentar a mistura de etanol anidro na gasolina de 27% (E27) para 30% (E30) e elevar o biodiesel no diesel de 13% para 20%. Essas mudanças, se implementadas, poderiam reduzir ainda mais as emissões em mais de 15 milhões de toneladas de CO₂ por ano — equivalente a tirar 6 milhões de carros das ruas.
Um novo papel para a diplomacia climática brasileira
O estudo aponta um caminho claro: o Brasil precisa deixar de ser apenas produtor de combustíveis limpos e se tornar líder global na defesa de critérios objetivos de sustentabilidade. A FGV estima que o fortalecimento da diplomacia climática, com base em dados auditáveis, pode abrir mercados na Ásia e na África, onde países estão buscando alternativas viáveis ao diesel e à gasolina.Além disso, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2030) projeta que a oferta de biocombustíveis no Brasil poderá chegar a 63,9 bilhões de litros até 2030 — um aumento de quase 70% em relação aos níveis atuais. Isso pode gerar R$ 71,4 bilhões por ano em receita e adicionar quase R$ 95 bilhões ao PIB até o fim da década. Mas só se o mundo parar de olhar para o Brasil como um "exportador de cana" e começar a ver como um provedor de soluções climáticas reais.
Frequently Asked Questions
Por que os elétricos europeus emitem mais CO₂ que os híbridos a etanol brasileiros?
Porque o cálculo leva em conta todo o ciclo de vida: mineração de minérios para baterias, transporte desses materiais, fabricação em países com matriz elétrica suja (como a China) e descarte. Enquanto o etanol brasileiro é produzido com energia renovável e sem desmatamento, os elétricos europeus carregam uma pegada de carbono oculta que muitas vezes supera os veículos a combustão.
O etanol de milho é sustentável?
Sim, quando produzido com a segunda safra do milho, em áreas já degradadas de pastagens, como ocorre no Brasil. Isso evita competição com alimentos e não exige novos desmatamentos. Em 2023/24, o etanol de milho já representou 13% da produção total de etanol no país — e sua eficiência energética é 30% maior que a do etanol de cana em certas regiões.
O que é a neutralidade tecnológica e por que ela é importante?
É o princípio de avaliar soluções de descarbonização com base em resultados reais de emissões, não em preferências políticas ou geográficas. Se um carro a etanol emite menos CO₂ que um elétrico, ele deve ser considerado igualmente válido. A FGV argumenta que políticas que ignoram isso criam injustiças climáticas e impedem países tropicais de participar da transição energética de forma justa.
O Brasil está preparado para exportar essa tecnologia?
Sim. O país já tem a maior frota de veículos flex do mundo, uma indústria de biocombustíveis madura e uma matriz energética limpa. A FGV sugere que o Brasil deve liderar negociações internacionais para reconhecer biocombustíveis tropicais como "verdes" por mérito, não por acordos políticos. Países como Índia, África do Sul e Indonésia já demonstram interesse em copiar o modelo brasileiro.
Qual o impacto econômico desse modelo para o Brasil?
Até 2030, os biocombustíveis isoladamente podem gerar R$ 71,4 bilhões por ano em receita e impulsionar o PIB em quase R$ 95 bilhões. O PDE 2030 prevê um aumento de 70% na produção de biocombustíveis, criando milhares de empregos e reduzindo a dependência de importações de petróleo — um dos maiores gastos da balança comercial brasileira.
O que muda com a mistura E30?
Aumentar a mistura de etanol anidro de 27% para 30% na gasolina reduzirá as emissões de CO₂ em cerca de 15 milhões de toneladas por ano — o equivalente a retirar 6 milhões de carros da circulação. Além disso, estimula a produção de etanol, fortalece a indústria nacional e diminui a volatilidade dos preços da gasolina, já que o etanol é mais estável economicamente.